Clássicas e releituras da axé music embalam ensolarado primeiro capítulo de “Segundo Sol”.
Pode esquecer a paleta de cores em tons terrosos, os figurinos com tecidos grossos, casacos pesados e chapéus da trama de Walcyr Carrasco, eles ficaram definitivamente para trás. Agora na trama de João Emanuel Carneiro entram as cores e a alegria baianas, impulsionados pelo axé music dominando as cenas de “Segundo Sol”, a novela das 21h que estreou hoje (14/05).
Como marca de suas obras, o novelista apostou em um primeiro capítulo ritmado e extremamente focado no núcleo principal. O telespectador pode compreender claramente qual era o contexto do decadente cantor de axé Beto Falcão, vivido por Emílio Dantas, naquele ano de 1999. Tanto na sua vida pessoal, como a profissional estavam indo de mal a pior. Com uma carreira declinando, Beto se vê quebrado, com dívidas causadas por seu trambiqueiro irmão Remy, papel de Vladimir Brichta, além disso, para piorar a situação, se vê abandonado pela interesseira namorada Karola, interpretada por Deborah Secco, que não aceita vê-lo ver sua carreira desmoronar.
Beto é um rapaz de bom coração, como todo bom mocinho deve ser. Influenciado pelos gananciosos Remy e Karola, ele aceita simular a própria morte, mesmo sabendo que se trata de um crime, em troca do dinheiro que será feito com o seu falso falecimento, afinal percebeu a comoção nacional causada pelo incidente. A dupla de amantes possui uma boa sintonia em cena, os atores estão excelentes em cena e funcionam como par, com um tom que caminha entre o deboche e a piada, os vilões apresentam uma estrutura de comédia que parece combinar com enredo (pelo menos nesse primeiro capítulo). Karola já desponta com uma promessa de uma excelente vilã, devido à direção Dennis Carvalho, a personagem parece uma evolução maligna de Darlene de “Celebridade”- atualmente no “Vale a Pena Ver de Novo” que também foi dirigida pelo diretor – afinal ela é sexy, iludida com a fama, destrambelhada e carismática.

A segunda parte do primeiro capítulo, foca na fuga de Beto Falcão para Boiporã, quando aluga um quarto na casa de Luzia, personagem de Giovanna Antonelli. Já sob o falso nome de Miguel, passa a viver na casa da marisqueira, com o seu jeito simples e dócil, conquista o carinho dos filhos dela, mas principalmente o da própria Luzia. De forma bem dinâmica, foi mostrada toda a construção da relação de amor entre Luzia e Miguel/Beto, até o momento em que eles comunicam que irão casar. Como característica das narrativas de JEC, onde tudo acontece muito rapidamente, os vilões já armaram uma resposta ao efêmero romance dos protagonistas. Quando Remy visita o irmão na ilha, descobre do relacionamento e dos planos de casamento dele, o invejoso irmão já comunica Karola, que resolve fazer uma visita ao namorado. A personagem de Deborah Secco fala para Luzia que está grávida do cantor e que está procurando ele para dar a notícia, além disso também se apresentou como noiva dele. Entretanto a mocinha da novela tinha recém-descoberto sua gravidez. Desiludida com a situação, Luzia parece acreditar em Karola, mas o desenrolar dessa história saberemos com os próximos capítulos.
A rapidez como tudo se deu, principalmente em relação ao casal de protagonistas se deve muito a química entre os dois. Antonelli e Dantas formam um casal que passa verdade ao telespectador. Giovanna parece ter sido uma escolha acertada, de certa forma, para o papel, devido ao estilo da personagem que combina com ela e pela combinação com Emílio, porém não se pode negar que faltou sim uma atriz negra para viver o papel. A tentativa de minimizar a situação colocando Luzia à la “Gabriela Cravo e Canela”, como definido pelo crítico Maurício Stycer, soou falsa no final das contas. No caso de Emílio também foi uma decisão bastante acertada, o ator aparenta estar seguro no papel, além de ser bastante carismático e convincente quanto cantor, possui a malemolência, boa voz e presença necessárias.

Em um outro tempo e lugar, o novelista parece recuperar o universo ficcional de “Avenida Brasil”, o café da manhã na casa dos Falcão, com direito à um belo de um barraco nos lembrou os tempos de família Tufão. Diferente da direção de Amora Mautner, onde as brigas aconteciam com todo mundo falando simultaneamente, Dennis Carvalho e Maria de Médicis privilegiaram uma direção mais clássica, deixando cada um falar no seu tempo. Se tratando da família Falcão pouco foi mostrado até o momento, Arlete Salles e José de Abreu possuem potencial de levar o núcleo Falcão longe. Fico feliz com o retorno de Arlete as novelas, realmente é uma atriz que faz falta no gênero.
Mesmo com o foco sendo basicamente em Beto, Remy, Karola e Luzia, outra personagem brilhou em sua rápida primeira aparição: Laureta, a cafetina de luxo interpretada por Adriana Esteves. Com um visual bem impactante e falas prontas para se tornarem virais, Laureta tem potencial para ir distante e repetir a dobradinha de sucesso entre Adriana e JEC. Existe um ar de mistério entre Laureta e Karola, sua ex-agenciada. É possível notar uma certa relação de domínio, uma tensão ainda não bem esclarecida, que parece ser um dos nortes de “Segundo Sol”. Falas como: “Te fiz um favor” se referindo ao fato de ter influenciado o término do relacionamento entre Beto e Karola e “Quem fez uma vez, faz de novo”, se referindo a prostituição já demonstram que ela será uma vilã objetiva, onde tempo e dinheiro andam sempre lado a lado. Em entrevistas, João Emanuel disse que a ação da vilania será revesada entre as duas, aparentemente é o que vemos já nesse primeiro capítulo, que quem fez tudo andar foi Karola, ainda Laureta está nos bastidores – por enquanto.

Além dos personagens, outro fator que chamou muita atenção nesse capítulo e ajudou na contextualização dessa Bahia do final dos anos 1990 impulsionada pelo axé music foi a trilha sonora. O capítulo já mostra imagens com os trios elétricos do Carnaval de Salvador ao som da clássica “Canto da Cidade” na voz de Daniela Mercury. Entretanto a direção não apostou apenas em versões originais da época, mas a trilha sonora da novela é composta por regravações de grandes músicas do gênero como “Me Abraça” e “Vem Meu Amor” da Banda Eva, que ganharam versões repaginadas, respectivamente adaptadas por ANAVITÓRIA e Wesley Safadão. Até uma versão em inglês foi feita, no caso a escolhida foi o hit “Swing da Cor” de Daniela Mercury que foi revisitada por Ikoko, duo italiano de música eletrônica. Quando foi noticiado sobre as novas versões, houve uma torcida de nariz de parte do público, com destaque para os mais saudosistas, mas em cena foi notado o quão importante elas foram para estabelecer o clima entre aquele período e os dias atuais. A mescla entre as originais e os covers deram um frescor, impossibilitando que a trama viesse a ficar com um aspecto datado. A escolha do repertório ajudou no reforço do universo ficcional do novelista, voltado ao popular, algo bem semelhante ao visto em “Avenida Brasil”.
Em resumo, JEC apostou em uma história de amor direta, sem muitas firulas, levando o telespectador exatamente para o centro do furacão Beto Falcão. Diferentemente de outras tramas mais complexas do autor como “A Favorita” e “A Regra do Jogo”, o novelista deixou de lado as passagens mirabolantes para focar unicamente no desenrolar, rápido e eficaz, da trajetória do cantor. A apresentação dos personagens foi inteligente, com destaque para as personalidades carismáticas de Beto, Remy e Karola, em que os atores estão excelentes em seus papéis. O primeiro capítulo deixou com uma vontade de quero-mais de Laureta. Quanto a Luzia, ainda ela está no início da trajetória da heroína, mas entre os personagens apresentados é a menos interessante, pelo menos por enquanto. Vamos aguardar o desenrolar dessa trama que parece resgatar mais uma vez o bom e velho novelão.